quinta-feira, 4 de abril de 2013

Mártir.

(...) Foi quando então caiu a ficha. Já era madrugada, uma sala escura e do seu lado um copo quase vazio, mais água de gelo derretido do que o próprio destilado. Um cinzeiro transbordando as cinzas do que tinha sobrado. Acho que aquilo era um pouco dele, ou ele também. Olhava pela janela. Estava lá a lua, assistindo o homem que se perdia mais em casa, mais na sua cabeça do que se estivesse no meio de uma multidão.
Doía como se fosse a primeira vez. Como se aquele gosto fosse inédito. Se lembrou dos seus 15 anos, esboçou o princípio de um sorriso mas não o fez. É, naquela época parecia mais fácil. Passava mais rápido.

Seus olhos fitavam a lua como quase um pedido de perdão. Um grito que ninguém ouvia.
A luz natural infiltrava o cômodo e refletia o marejar dos seus olhos. Bastou um piscar que a gota foi de encontro ao chão e quase que simultaneamente seu olhar foi junto, acompanhando sua fraqueza despencando corpo afora.

Com a superfície das mãos limpou os olhos, balançou negativamente a cabeça e a apoiou sobre os braços que estavam sobre os joelhos. Sabia que mais um choro preso não ia resolver. Que na verdade, depois daquela noite, nada mais ia resolver e acabou se deixando levar.
Sozinho, sentado no sofá sob a luz da lua e seu corpo respondendo aos seus sentimentos até o último poro capaz de exalar aquele peso.
Não queria pensar em nada mais. Só colocar o que restava pra fora, já que aquela era sua última forma de escape, afinal, já tinha feito tudo que podia. Ele sabia que tinha feito tudo.
E assim foi madrugada adentro. (...)

Já estava jogado ao chão, sentado, encostado na parede. Seus olhos pulsavam, fundos, sem brilho. Não tinha mais força nem pra chorar. Esgotado. Enfim, vazio. (Pelo menos por aquele breve tempo.)

Não falou uma palavra sequer a noite toda. Quando por fim se levantou, pegou o copo com o que já tinha sido forte o suficiente pra se anestesiar e agora tinha um certo gosto de guarda-chuva (o que naquele momento não fazia a menor diferença mais), olhou a lua pela última vez, fechou os olhos e pensou em voz alta: "-Hoje você pode ser ferida, mas cicatriz não. Cicatriz você não vai ser.". Virou o copo, o colocou de volta sobre a mesa e seguiu pelo corredor escuro em direção ao quarto. (...)

Pra ele o dia havia terminado.
Só o dia.
Só mais um dia.

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